Indústria Farmacêutica: Produção continua com crescimento acelerado

De acordo com a IMS Health, em nível mundial a indústria cresce de forma consistente ao longo dos anos, embora o impacto da crise europeia tenha abalado as estruturas de consumo de várias nações.

Pelas projeções da IMS Health, no Brasil o crescimento de 2012 deve ser de 18,2%, com RS 47,8 bilhões em vendas, ante R$ 40,5 bilhões do ano anterior


Indústria Farmacêutica: Produção continua com crescimento acelerado

Se há um setor da economia brasileira que tem escapado ileso dos impactos da turbulência financeira global, este é o da indústria farmacêutica.

Enquanto os números esperados para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional neste ano vão encolhendo a cada avaliação, os índices para as vendas dos medicamentos continuam em dois dígitos. “Em 2012, estamos mantendo o mesmo ritmo de crescimento ‘chinês’ dos últimos oito anos”, diz Nelson Mussolini, vice-presidente executivo do Sindicato da Indústria Farmacêutica do Estado de São Paulo (Sindusfarma). Ao lado disso, o peso das multinacionais no mercado brasileiro vai diminuindo à medida que os laboratórios nacionais se fortalecem. “Hoje a divisão, por faturamento, é fifty-fifty.”

De acordo com a IMS Health, consultoria especializada no mercado farmacêutico, em nível mundial a indústria cresce de forma consistente ao longo dos anos, embora o impacto da crise europeia tenha abalado as estruturas de consumo de várias nações. Oque não é o caso dos emergentes, países que se mostram cada vez mais representativos neste mercado. Além de Brasil, China, Rússia e Índia, também se destacam Coreia e Turquia.

No caso brasileiro, alguns componentes importantes da expansão são o avanço do segmento de genéricos (cópias de medicamentos de marca cujas patentes expiraram)-surgido há 12 anos e responsável por 25,87% do setor farmacêutico em unidades vendidas -, o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as compras do Ministério da Saúde. Em relação ao fim das patentes de medicamentos campeões de venda, a comercialização de seus genéricos registra grandes aumentos, dada a sensível diminuição de preço ao consumidor.

Pelas projeções da IMS Health, 110 Brasil o crescimento de 2012 deve ser de 18,2%, com RS 47,8 bilhões em vendas, ante R$ 40,5 bilhões do ano anterior- uma expansão ligeiramente inferior à registrada em 2011 em relação a 2010, que foi de 18,6% (RS 40,5 bilhões, ante RS 34 bilhões). De janeiro a agosto, o faturamento do setor somou R$ 32,6 bilhões, 18,3% superior ao do mesmo período de 2011.

Para Mussolini, o crescimento do mercado farmacêutico no Brasil – que, pelas contas da gerência de economia do Sindusfarma, ocupa o sexto lugar no ranking mundial, com 3,62% do total – está muito vinculado à taxa de desemprego e à elevação do poder aquisitivo das classes C e D nos últimos anos. “Se a taxa de desemprego cai, a indústria costuma prosperar; se sobe, nosso negócio piora”, afirma. De acordo com a IMS Health, a classe C, que corresponde a 53% da população brasileira, representava 42% do consumo de medicamentos no Brasil em 2011, seguindo de perto as classes A e B, que respondiam por 48% do total e sempre foram as tradicionais consumidoras de medicamentos.

Não por acaso a capacidade ociosa das indústrias do setor no Brasil – tanto as de capital nacional como as de controle internacional – é muito baixa. “Empresas dos dois grupos que operam no país estão, indistintamente, traçando planos de investimentos em ampliação de plantas e de capacidade produtiva”, diz Mussolini.

Ele cita como principais fatores de pressão sobre os custos, a alta carga tributária (correspondente a uma alíquota de 33,9%, em relação à média mundial de 6,8%), o controle de preços pelo governo (80% do mercado farmacêutico tem os preços controlados), as altas tarifas de energia elétrica e os preços das embalagens. “De março de 2011 a março de 2012, a indústria teve um aumento médio de preços de venda de 2,58%, enquanto no mesmo período o reajuste médio de salários foi de 7,5%, o da energia, de 14%, e o de plásticos e alumínio para embalagens, acima de 9%.”

Outro complicador, este considerado um “mal crônico”, é a necessidade de importação tanto de insumos (principalmente) como de vários tipos de medicamento. “Enquanto outros setores aplaudem a desvalorização do real, o nosso é extremamente afetado, porque as exportações são muito baixas em relação às importações”, diz Mussolini, revelando que naquele período de 12 meses a matéria-prima ficou mais cara – em dólares – quase 32%.
Segundo ele, o grande déficit na balança comercial do setor se explica, em parte, porque no passado o país decidiu não investir na fabricação de fármaco-químicos – uma produção de escala e cara. Na verdade, poucos países do mundo têm superávit na balança de medicamentos. “Isso ocorre porque a produção está muito focada na índia, na China e um pouco também na Irlanda”, afirma Mussolini.

A boa notícia é que, com a política industrial compreendida no programa Brasil Maior, os sinais são de que o país pode vir a transformar-se em polo importante de inovação cm fármacos e medicamentos, porque passou a ocupar o centro das políticas governamentais. Em setembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma resolução criando os procedimentos necessários para o registro de produtos em desenvolvimento e de transferência de tecnologia em parceria público-privada, de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS). Os produtos em desenvolvimento devem ter o aval do Ministério da Saúde e serão acompanhados pela Anvisa.

A resolução amplia mecanismos e práticas estratégicas para a ampliação do acesso a novas tecnologias, além de permitir uma economia de cerca de 25% no valor do que o Brasil importa para o setor de saúde, essa ação poderá alavancara indústria farmacêutica brasileira e tornar o SUS menos vulnerável em relação à dependência externa de produtos e de tecnologias. Várias entidades nacionais, como o grupo FarmaBrasil, e empresas como a recém-criada Bionovis consideram a resolução positiva.

Um dos mais otimistas é Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do FarmaBrasil, um grupo criado em meados de 2011 que reúne nove empresas de capital nacional -Aché, Biolab, Cristália, Libbs, EMS, Hypermarcas, Hebron, Eurofarma e União Química -, responsáveis por 36% do mercado farmacêutico total e 53% do segmento de genéricos. “Essas nove empresas decidiram que vão começar a produzir medicamentos biotecnológicos de primeira e segunda geração em escala industrial no Brasil”, afirma Arcuri, embora o foco das inovações esteja voltado também para as drogas sintéticas avançadas e os fitoterápicos. Os biotecnológicos -produzidos a partir de células vivas – são a nova fronteira da indústria farmacêutica mundial e movimentaram em 2011 cerca de US$ 160 bilhões no mundo e R$ 5 bilhões no Brasil.

A aposta de Arcuri é de que as proposições do plano Brasil Maior poderão transformar o complexo industrial da saúde no elemento estruturante da economia brasileira. “Coisa que a Inglaterra faz muito bem”, lembra. Os ingleses articulam o seu sistema público de saúde -universal como o brasileiro, embora muito mais sofisticado – com a produção não só de medicamentos, mas também de equipamentos e de outros componentes da área de serviços do complexo industrial da saúde. “Isso é o que pode passar a acontecer no Brasil.”

A diretora-executiva do Farma-Brasil, Adriana Diaféria, afirma que tanto nos fitoterápicos como nos biotecnológicos abre-se um campo enorme para se pesquisar a biodiversidade brasileira. “Nós estamos inclusive fazendo um esforço conjunto com o Ministério do Meio Ambiente para a estruturação de uma nova lei de acesso à biodiversidade, porque as normas atuais são confusas e estão ultrapassadas.”

As pesquisas com fauna e flora do Brasil passaram a enfrentar um emaranhado de exigências a partir de 2001, quando o governo federal baixou uma medida provisória (a MP 2.186-16) com o objetivo de combater a prática da biopirataria (roubo ou o caso não autorizado de um recurso genético) por grandes empresas e nações ricas.

Mas, a despeito do senso comum de que a imensa diversidade brasileira é um tesouro que precisa realmente ser protegido, é difícil achar quem deixe de criticar a MP – que funciona até hoje como marco regulatório -, por ter criado mecanismos muito rígidos para a pesquisa e uso comercial da biodiversidade e dos conhecimentos acumulados das populações tradicionais (como indígenas, quilombolas e pescadores), associados a esses recursos.

Segundo Adriana, quando a MP foi regulamentada, não havia maturidade com relação ao desenvolvimento de produtos inovadores decorrentes do uso da biodiversidade. “O atual estado da arte de nossas negociações com o governo – que está interessado na reversão do status atual, porque a biodiversidade é uma grande oportunidade de projeção para o país – é de flexibilização da MP para depois forçar um novo marco regulatório.”

Segundo Odnir Finotti, presidente da Bionovis – joint venture entre EMS, Aché, Hypermarcas e União Química -, a nova empresa tem como principal objetivo pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e comercialização de medicamentos biotecnológicos. “Trata-se de uma joint venture independente, com diretoria e gestão não sujeitas às companhias que a compõem -e nenhum funcionário pode trabalhar em outra empresa, seja ela associada à controladora ou não.”

Os investimentos previstos somam RS 500 milhões, com desembolso ao longo dos próximos três anos, e cada sócio tem participação acionária equivalente a 25% do capital social. O acordo inclui a obrigação de não concorrência dos acionistas com relação ao novo negócio – e a Bionovis não poderá ser vendida para nenhuma empresa que não seja de capital eminentemente brasileiro. “Boa parte desse investimento já está sendo dirigida à pesquisa e desenvolvimento”, diz Finotti.

Ele considera que a recente resolução da Anvisa é positiva não apenas para laboratórios nacionais, mas também para as multinacionais que operam no Brasil. “Elas poderão fazer uma parceria com o governo e submeter a ele o seu plano de transferência de tecnologia”, diz, acrescentando que isso é fundamental para os brasileiros, que têm enorme dependência de tecnologias de ponta, algumas delas desconhecidas pela indústria local. “Numa primeira etapa, o objetivo da Bionovis é desenvolver as novas tecnologias dentro do território nacional e produzir biotecnológicos que atendam às características da saúde pública brasileira.” Ele diz que a etapa posterior inclui a globalização da companhia.

Pelo lado das multinacionais, há indicações de que muitas consideram consistentes as propostas do plano Brasil Maior. Tanto que o presidente da Bristol-Myers Squibb no Brasil, Gaetano Crupi, afirma que sua empresa – atualmente com cerca de 70 moléculas em desenvolvimento, um terço delas biológicas – firmou uma Parceria para Desenvolvimento Produtivo (PDP) para a transferência da produção do Reyataz (sulfato de atazanavir), medicamento utilizado para o tratamento da Aids, para o Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“A parceria com o Ministério da Saúde foi feita com um produto que tem um período relativamente longo de proteção de patente e, por isso, tem um significado expressivo”, diz Crupi. Segundo ele, a parceria vai além da transferência de produção: ela inclui a transferência de tecnologia na fabricação da matéria-prima. “Isso contribui para que seja alcançado um dos objetivos do governo: equilíbrio da balança comercial e fortalecimento da indústria fármaco-química brasileira.”

O presidente da Roche Farmacêutica Brasil, Adriano Treve, avança mais na sua aprovação à política do governo para a indústria farmacêutica. “A Roche apoia e realiza essa prática há quase dez anos”, diz. Ele recorda que em 2003 a empresa transferiu a tecnologia de produção do medicamento Benzonidazole, usado no tratamento da doença de Chagas.

O Grupo Roche está presente em mais de 150 países e é líder mundial em diagnóstico in-vitro e medicamentos para câncer e transplantes. No Brasil, a sua maior área de atuação é a oncologia. A visão de Treve sobre o novo perfil do mercado brasileiro, no entanto, é de que o poder de compra não está tão marcadamente relacionado com o consumo de medicamentos da empresa. Há outros fatores. “Não podemos esquecer que a expectativa de vida das pessoas vem aumentando e com isso surgem as doenças”, diz. Ele cita como exemplo o câncer de pulmão, responsável por 27 mil novos casos por ano no Brasil.

Fonte: Juan Garrido – Valor Econômico