O que esperar do futuro das farmácias em termos de serviços

O cenário para o setor de farmácias pode surpreender até mesmo roteiristas audiovisuais que tentaram imaginar o porvir. A telemedicina é um dos principais degraus a serem alcançados, um horizonte em que, no interior de farmácias, será possível realizar consultas com médicos renomados a quilômetros de distância, pela internet.

“São consultórios médicos dentro das farmácias movidos a telemedicina. É um serviço que ainda não temos no Brasil”, elucida Cassyano Correr, coordenador de Assistência Farmacêutica Avançada da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). Ele explica que, em países como Estados Unidos, o serviço já é uma realidade. Há também casos em que o próprio cliente realiza autoexames supervisionados a distância por esses médicos.

Entregas de medicamentos utilizando drones já foram testadas no Rio de Janeiro, de acordo com Cassyano. Mas uma conquista que parece mais plausível para um futuro breve é a prescrição eletrônica. Nesse formato, a receita de medicamentos abandona o papel e vira um formulário compartilhado entre médicos e redes de farmácias. O serviço colocaria fim à validade do documento, em casos que o permitissem, e traria sustentabilidade ao processo de tratamento.

Tal prática também já é uma realidade lá fora, e divide espaço com exames genéticos que alertam ao cliente da loja quais medicamentos são melhor indicados para cada caso. Ainda segundo Cassyano, o modelo de farmácias no Exterior já permite a construção de clínicas dentro de drogarias, algo proibido no Brasil.

“Ele (o médico) pode estar na sala ao lado, no vizinho, mas não pode estar dentro do mesmo espaço (da farmácia aqui no Brasil)”, explica. Mas, no momento, Cassyano afirma que uma das maiores batalhas do setor é a regulação definitiva sobre os testes rápidos, algo que ampliaria o leque de exames realizados no ambiente das farmácias. Essa é uma das bandeiras mais pleiteadas entre as grandes redes e os deputados.

Já Patriciana Rodrigues, vice-presidente comercial da Pague Menos, inclui, no rol de previsões, a aplicação da biotecnologia e da nanotecnologia na fabricação de medicamentos. “Essa área vai cada vez mais ganhar importância. A gente até brinca que, daqui pra frente, ninguém vai mais morrer”, prevê, em meio a risos. Nesse futuro promissor, também será possível fazer uma assinatura para os medicamentos de uso contínuo. O cliente paga a mensalidade do serviço e recebe o remédio de uso permanente.

Dentre as estratégias de mercado, Roberto Kanter, professor de Marketing de Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), prevê que grandes nomes do e-commerce, como Magazine Luiza e Mercado Livre, também passarão a oferecer a comercialização de fármacos no catálogo de produtos para o cliente.

“Os grandes e-commerces serão grandes centros de vender tudo. Só não vão vender aquilo que a Anvisa proibir”, projeta. Segundo Kanter, as redes têm, pela frente, o desafio de manter o cliente em seus sites e farão de tudo para que você não precise ir ao concorrente.

Mais online, esse consumidor também precisará de estímulos para ir aos pontos de venda. “No futuro, a única coisa que vai te tirar de casa para ir até a farmácia é porque lá você vai encontrar algum tipo de atendimento e experiência que será impossível vivenciar virtualmente”, avalia Cassyano.

Os desafios da implantação dos testes laboratoriais em farmácias

Sérgio Mena, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma)

O POVO – O que podemos esperar da farmácia do futuro?

Sérgio Mena – Nós temos uma discussão no Brasil, não será tão futuro, talvez seja no próximo um ou (nos próximos) dois anos, em um curto prazo, a introdução dos testes laboratoriais rápidos em farmácias. Hoje já existe tecnologia que você pode fazer até 25 exames usando o point of care, o tipo de teste “ponta de dedo”. Ou seja, é possível fazer check-ups na população, e 70% da população nunca faz nenhum. É possível fazer um pequeno check-up nas pessoas, uma coisa que pouco se faz no Brasil e a farmácia vai se qualificar para isso a partir da revisão da RDC 44/2009 da Anvisa, que hoje é muito limitada. Esse é um exemplo do uso da tecnologia a favor da população.

O POVO – Junto da nova farmácia nasce, então, uma nova relação com o farmacêutico?

Sérgio Mena – O paciente pode visitar aquela farmácia, a cada 15 dias, faz a medição da sua glicemia, recebe instruções do farmacêutico em um ambiente muito menos tenso do que um consultório médico. Você sabe que no consultório médico tem aquela “síndrome do jaleco branco”, muita gente fica com a pressão alta quando está na frente do médico. É a tensão de estar ali.

Então você pode estar em um ambiente muito mais informal, com uma pessoa que você conheceu, que está te acompanhando, que você vai conversar a cada 15 dias. Essa pessoa vai te ajudar a manejar o medicamento, controlar o seu tratamento. Esse tipo de ação já existe em muitos outros países, como Canadá e Estados Unidos. Inclusive o farmacêutico recebe do seguro-saúde um valor de US$ 69 para, duas vezes por ano, fazer uma consulta com o paciente, ajustar os horários de uso do medicamento do paciente, esclarecer sobre a doença. Tudo isso faz parte da humanização do atendimento.

O POVO – O que avançou no Brasil?

Sérgio Mena – Em 2014, a gente aprovou uma lei, a 13.021/2014, que introduziu a possibilidade das farmácias fazerem esses serviços. A gente lançou serviços, criou procedimentos, temos cerca de 2.700 farmácias nossas com essas salas que fazem esses serviços, de acompanhamento de diabetes e hipertensão, gestão de polimedicados, perda de peso, programa para parar de fumar.

A gente infelizmente não oferece mais serviços, como os testes laboratoriais porque a Anvisa não avançou na regulamentação. A resolução da Anvisa é de 2009, e nós aprovamos uma lei em 2014. Nós estamos em 2019! A Anvisa ainda não revisou a resolução que trata dos serviços (RDC 44/2009). Essa RDC é aquela que restringiu medicamentos isentos de prescrição nas gôndolas, que proibiu que as farmácias vendessem outros produtos. Depois dela, o Supremo Tribunal Federal (STF) já autorizou a venda de outros produtos em farmácias. A Anvisa revisou uma das coisas, que foi a questão das vacinas nas farmácias. Mas faltam outros avanços, como testes laboratoriais.

Entenda

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 44/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispõe sobre boas práticas farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias.

Em 2014, foi aprovada a Lei 13.021, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. A nova lei ampliou o leque de assistência à saúde das farmácias para além da RDC 44/2009. A vacinação foi um dos avanços previstos no artigo 7º da lei e normalizado pela RDC 197/2017, que dispõe sobre os requisitos mínimos para o funcionamento dos serviços de vacinação humana.

Porém, o setor farmacêutico luta por uma revisão da RDC 44/2009 para o avanço de determinados serviços, como os testes laboratoriais portáteis (TLPs) — do inglês point-of-care testing (POCT). A Anvisa disse que prepara, para amanhã, 1º de agosto, um “Diálogo Setorial para obter informações, críticas e sugestões” sobre a utilização de TLPs em serviços de saúde.

Com a medida, a Agência espera orientar as próximas etapas da discussão sobre o aprimoramento do marco regulatório de serviços farmacêuticos e de laboratórios clínicos.

Fonte: Panorama Farmacêutico

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