Alvo de cortes de verbas, o programa Farmácia Popular distribui remédios gratuitos ou com valor reduzido para tratamento de diversas doenças, como diabetes e hipertensão. Além de pouco orçamento, a iniciativa sofre com outro grande obstáculo: um passivo de 2.227 processos de suspeita de fraude a serem auditados por uma equipe limitada.
Com o atual efetivo de servidores – que conseguem auditar, em média, 100 processos relacionados ao programa por ano –, o tempo necessário para zerar o passivo ultrapassa 20 anos. É o que revela relatório produzido pela Auditoria Nacional do Sistema Único de Saúde (AudSUS), em parceria com o Instituto Cuida Brasil. Nesta semana, o documento será entregue à equipe de transição do governo eleito junto ao estudo que apontou defasagem de 174% na verba do Farmácia Popular.
João Paulo Martins Viana, diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores do Sistema Nacional de Auditoria do SUS (Unasus Sindical), ressalta que o custo para auditar os processos parados ultrapassa R$ 130 milhões, levando em consideração “a atual metodologia para realizar auditoria, os custos da realização de uma auditoria, o tempo da sua execução, e a quantidade de servidores existentes na AudSUS”.
Ele destaca que um impasse criado em 2017 entre o Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF) e o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus, atual AudSUS) do Ministério da Saúde sobre a responsabilidade de realizar os procedimentos “corroborou substancialmente para aumentar a quantidade de auditorias com demandas judiciais”.
“Há um acúmulo de serviço e de prejuízo financeiro para o governo federal, bem como para o usuário do SUS, já que as unidades do programa Farmácia Popular ficam suspensas para fins de monitoramento e só poderão dispensar medicamentos após a realização do monitoramento e/ou auditoria finalizada, que atualmente demoram mais de três anos para serem iniciadas”, explica.
“A maior vulnerabilidade atual para realizar com tempestividade as auditoria no programa é o quadro reduzido de servidores da AudSUS”, diz Viana. Os auditores da organização são responsáveis por fiscalizar todas as áreas do Sistema Único de Saúde como atenção primária, secundária e terciária. Esses servidores também atendem às demandas internas (do Ministério da Saúde e do Conselho de Saúde), e externas – provenientes do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público Eleitoral (MPE), da Controladoria-Geral da União (CGU), da Controladoria-Geral dos Estados (CGE), do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal de Contas dos Estados (TCE).
Para Gustavo Pires, secretário-executivo do Instituto Cuida Brasil, o Farmácia Popular tem sido alvo de um desmonte. Segundo ele, a grande fila de processos a serem auditados impossibilita a investigação de possíveis irregularidades – que, se fossem comprovadas, seriam punidas e teriam a verba recomposta. “Ter recursos e não chegar a quem precisa é o mesmo que não ter. O Farmácia Popular precisa de mais dinheiro, mas também precisa que esse dinheiro seja fiscalizado para que não se perca no caminho”, destaca.
Informatização do processo
Em parceria com o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Lais/UFRN), a AudSUS desenvolveu o Procedimento de Análise Informatizada (PAI) do programa Farmácia Popular, ainda em fase de testes. A ferramenta dá mais celeridade às análises, ao cruzar as informações com uso de inteligência artificial. “Muito mais rápido e ágil que a metodologia anteriormente utilizada, feita de forma manual e muito trabalhosa”, pontua Viana.
Para o auditor, o procedimento mostra que “com pouco investimento financeiro na área de controle e auditoria, se comparado ao valor financeiro dispendido pelo Farmácia Popular, consegue-se ter um bom avanço e resultado na contenção dos prejuízos ocasionados”. Além da implementação da plataforma, ele aponta como indispensável a criação da carreira de Auditor Federal do SUS, para que seja possível fazer um concurso específico para a área, com o objetivo de “suplantar o quadro deficitário de servidores existente”.
Fonte: Metrópoles