A disputa em torno da patente do sofosbuvir, um dos tratamentos mais eficientes contra a hepatite C e que deve ter papel relevante nos planos do governo brasileiro de erradicar a doença até 2030, expôs um antigo problema do país e alvo de inúmeros alertas da indústria farmacêutica: a reduzida estrutura do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) frente à demanda crescente de análise de novos pedidos.
Entidade que reúne as fabricantes de medicamentos genéricos no país, a PróGenéricos calculava, em 2016, que a demora na concessão das patentes, combinada ao mínimo de 10 anos de proteção garantido pelo parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual, criava uma reserva de mercado de R$ 4 bilhões para medicamentos amparados por esse dispositivo. O caso do sofosbuvir caminharia nessa direção. O pedido de patente para o tratamento foi depositado pela americana Gilead no INPI em 2004, ou seja, há 14 anos, e priorizado apenas em 2016. De lá para cá, a tecnologia de produção foi desenvolvida por outros laboratórios, incluindo uma parceria entre Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e um consórcio privado liderado pela brasileira Blanver.
Com a concessão da patente à Gilead, para uma molécula usada na síntese do sofosbuvir, a produção do genérico no país fica proibida – neste momento, a patente não está em vigor por decisão liminar da Justiça Federal do Distrito Federal, a partir de pedido apresentado pela candidata à Presidência Marina Silva, da Rede.
A decisão do INPI gerou reações críticas entre organizações que reúnem pacientes e médicos, entre as quais a Médico Se Fronteiras, sob alegação de que a proteção terá impacto negativo sobre a saúde pública. A Fiocruz, em nota, defendeu que a produção nacional de medicamentos deve ser usada em favor da defesa dos interesses da população e disse que é responsabilidade do dos ministério da Saúde e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), garantir as condições de acesso ao sofosbuvir. Por outro lado, um grupo de 12 entidades representativas de diferentes setores, entre os quais a indústria farmacêutica, divulgou carta de apoio à independência técnica do INPI.
Acúmulo de processos decorre do alto número de pedidos recebidos em relação à estrutura enxuta da autarquia
Para a presidente da PróGenéricos, Telma Salles, o pano de fundo da discussão é velho conhecido da indústria, os longos prazos de análise dos pedidos pelo INPI. A associação ainda não está participando diretamente do debate em torno do sofosbuvir. Mas já tomou parte em outras discussões dessa natureza, especialmente de pedido de extensão de patente ou de moléculas usadas na síntese de determinado medicamento. “Tudo isso é decorrente da demora do INPI”, disse Telma.
O INPI reconhece esse gargalo e afirma que tem medidas têm sido adotadas para minimizar os efeitos da estrutura enxuta. Consultado pelo Valor, informou que enfrenta um acúmulo histórico de processos devido ao grande volume de pedidos de patentes recebidos frente ao baixo número de examinadores e às necessidades estruturais do instituto. Entre 2016 e 2017, 02/10/2018, com suporte Mdic, convocou mais 140 examinadores de patentes aprovados em concurso, elevando o quadro atual a 340 profissionais, o maior da história.
Outras iniciativas foram tomadas. Uma parceria firmada neste ano com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) prevê investimentos de até R$ 40 milhões em infraestrutura tecnológicas, bases de dados e melhoria de processos. Os resultados já começaram a aparecer, segundo o INPI. No primeiro semestre, o número de patentes concedidas cresceu 82%, na comparação anual, e o número de pedidos que aguardam análise vem caindo desde 2016, com baixa acumulada de 11% até junho. Houve redução no prazo de espera, segundo a autarquia.
Mas, para a indústria, as medidas ainda são insuficientes. A expectativa é que, diante da repercussão do caso do sofosbuvir, o governo atual e os candidatos ao próximo se sensibilizem também para essa questão. “Espero que isso esteja na pauta do próximo governo”, afirmou a presidente da PróGenéricos.