A instituição de agências reguladoras no Brasil, iniciada há cerca de duas décadas, simbolizou o esforço pela superação de um modelo autocrático de gestão da economia, baseado na estrutura piramidal do Poder Executivo e na vontade discricionária dos dirigentes políticos.
Idealmente, buscava-se a criação de centros de poder orientados pela racionalidade técnica e pelo respeito a parâmetros democráticos de transparência, participação social na formulação de políticas públicas e segurança jurídica.
Embora esses objetivos continuem válidos, parece ser consenso que a prática das agências, no mundo real, distanciou-se, em alguma medida, do projeto ideal.
Proliferaram nomeações políticas para as diretorias, em detrimento de escolhas técnicas. Nem sempre as agências foram dotadas da infraestrutura e dos recursos financeiros e humanos necessários ao seu funcionamento adequado.
E as normas por elas editadas nem sempre respeitaram limites e possibilidades abertos pelo ordenamento jurídico brasileiro, gerando insegurança e um elevado (e indesejável) grau de judicialização da regulação setorial.
Quanto a este último ponto, especificamente, destaca-se a importância do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.874, prevista para esta quinta-feira (17), proposta de pela Confederação Nacional da Indústria perante o Supremo Tribunal Federal.
Longe de pretender cercear o amplo poder normativo exercido pelas agências -no caso em questão, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa-, a ação propõe apenas a delimitação mais clara do espaço decisório ocupado por essas entidades administrativas.
Busca-se reservar a tomada das decisões políticas fundamentais (como o banimento total de produtos ou substâncias, por exemplo), pelo seu lastro de legitimidade democrática, ao Congresso Nacional.
A despeito de sua evidente relevância, as agências reguladoras não receberam do legislador uma delegação tão dilatada a ponto de poderem editar leis ou substituírem o Congresso no exercício soberano da função legiferante.
As agências podem muito, devem continuar podendo muito, mas não podem tudo. Qualquer que seja o mérito intrínseco da norma regulatória, ela nunca será legítima se editada fora do âmbito que lhe reservam a Constituição e as leis do país.
Como no precedente histórico da Lei Geral de Telecomunicações (ADI nº 1.668), quando o Supremo Tribunal Federal delimitou com precisão os contornos das competências da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), agirá agora com sabedoria a corte suprema se fizer o mesmo em relação à Anvisa, preservando o seu espaço de atuação técnica, mas impondo sua submissão, como em qualquer Estado de Direito, ao primado da legalidade, garantia de toda a cidadania.
Fonte: Folha de São Paulo