Após uma luta homérica que evitou que a MP 881/19 apresentasse emendas que permitissem a venda de medicamentos em supermercados na Lei de Liberdade Econômica, o segmento farmacêutico acaba de sofrer novo baque! Desta vez os medicamentos estão sendo vendidos nas Casas Bahia, no Magazine Luiza, Americanas, Ponto Frio e outros varejistas. Essas lojas estão intermediando a venda de medicamentos para a Drogaria São Paulo, a Pacheco e outras redes.
Todos esses medicamentos estão no e-commerce das lojas, geralmente, nas abas de produtos para a saúde, suplementos, artigos esportivos ou dermocosméticos. Antes que os haters de plantão acusem esta jornalista, que vos escreve, de produzir fake news (concordo que, de tão bizarra essa informação, até parece fake news mesmo…mas não é!), é prudente ir até o site de qualquer uma das lojas citadas e digitar na busca: paracetamol, sinvastatina ou diclofenaco! Facilmente surgirão dezenas de apresentações desses e de outros medicamentos pesquisados.
Ao clicar no produto para a compra, pode-se ler no ambiente do carrinho de compras da loja a frase indicando que aquele item está sendo vendido e entregue pela Drogaria São Paulo, a Pacheco, Farmanutri Popular, Extrato Flora, até mesmo pela Eficácia Farmácia de Manipulação, Bio Pharmus Manipulação e pela TudoVet (produtos veterinários).
Para piorar a situação, obviamente não há nenhuma assistência farmacêutica…aliás nenhuma assistência é modo de dizer…o Magazine Luiza disponibilizou um robô (assistente de inteligência artificial) chamado LU. Lá na aba de compra desse magazine, pode ser encontrada a frase: “Lu explica tudo sobre paracetamol”. Pronto! Eles disponibilizaram um robô para ficar no lugar do farmacêutico!
O fato já está no radar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que publicou, em 9 de julho, uma medica cautelar contra o Magazine Luiza, apontando a proibição da comercialização, distribuição, propaganda e uso, com a seguinte motivação: comprovada a divulgação/comercialização de medicamentos por empresa sem Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE), em desacordo com o Art. 50 da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976. Ainda não se sabe sobre medidas cautelares contra as outras lojas de departamentos que estão utilizando a mesma prática, mas estaremos acompanhando todo o desenrolar desse assunto.
Importante salientar que algumas dessas empresas figuram do ranking dos maiores varejistas do mundo, como é o caso das Lojas Americanas (178ª posição) e o Magazine Luiza (249ª). A pesquisa é da consultoria Deloitte, intitulada Os Poderosos do Varejo Global 2019.
Várias infrações ao mesmo tempo
No mínimo, essas lojas estão infringindo algumas normativas: a RDC 96/08, que dispõe sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos (já que divulgam os medicamentos nos sites); a RDC 44/09, que dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas; e a Lei 5.991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.
A RDC 44/09, em seu Art. 53, afirma que o pedido pela internet deve ser feito por meio do sítio eletrônico do estabelecimento ou da respectiva rede de farmácia ou drogaria. O §2º é categórico ao afirmar que é vedada a oferta de medicamentos na internet em sítio eletrônico que não pertença a farmácias ou drogarias autorizadas e licenciadas pelos órgãos de vigilância sanitária competentes.
A Lei 5.991/73, em seu Art. 21, diz que o comércio, dispensação, representação ou distribuição e importação ou exportação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos será exercido somente por empresas e estabelecimentos licenciados pelo órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Já a RDC 96/08, afirma em seu Art. 3º que somente é permitida a propaganda ou publicidade de medicamentos regularizados na Anvisa. O §1º diz que a propaganda ou publicidade deve ser procedente de empresas regularizadas perante o órgão sanitário competente, quando assim a legislação o exigir, ainda que a peça publicitária esteja de acordo com aquele regulamento.
Competência da Anvisa
Há quem discorde da competência da Agência de legislar sobre o caso da publicidade. A 6ª Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, deu provimento à apelação interposta pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), contra sentença da 20ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal que julgou improcedente o pedido da autora para que a Anvisa) se abstivesse de praticar qualquer sanção aos seus associados em face do descumprimento do disposto na RDC 96/08.
Inconformada, a Associação sustenta a invalidade formal dos dispositivos impugnados: incompetência da Anvisa, posto que o regime constitucional e legal da publicidade de medicamentos não confere à Autarquia qualquer competência normativa, direta ou indiretamente, bem como a invalidade material dos dispositivos impugnados: violação à Lei nº 9.294/96 (art. 7º), ao art. 220 (§ 3º, II e § 4º) da Constituição Federal e à liberdade de expressão e alega que os dispositivos impugnados pela Resolução da Diretoria Colegiada nº 96/08 da Agência Nacional, restringem direitos fundamentais dos associados da apelante relativos à sua liberdade de veicular publicidade de medicamentos – e, em ultima análise, à sua liberdade de expressão, de forma não prevista ou autorizada pela legislação em vigor e pela Constituição.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Kassio Marques, entendeu que as Agências Reguladoras exercem poder normativo técnico que lhes é atribuído pela legislação específica. No caso da Anvisa, a referida lei permite à Agência “desenvolver resoluções normativas com o escopo de promover a proteção da saúde da população por meio de normatizações, controle e fiscalização de produtos, substancias e serviços de interesse para a saúde”.
A equipe de reportagem de ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico tentou contato com a Anvisa (cuja assessoria não foi encontrada). O Magazine Luiza não respondeu. A Drogasil afirmou que não vende medicamentos por meio das lojas varejistas citadas na matéria. A Drogaria São Paulo/Pacheco respondeu, em nota: “O Grupo DPSP (Drogarias Pacheco e Drogaria São Paulo) esclarece que cumpre rigorosamente a legislação que regulamenta a publicidade e venda de medicamentos, tanto por meio de suas lojas físicas quanto pelos meios remotos. Nossas práticas estão pautadas no cumprimento da legislação em vigor, e estamos revendo todos os nossos procedimentos para apurar e corrigir eventuais problemas sistêmicos que possam ter causado alguma situação pontual”.
Estamos acompanhando de perto!
Fonte: ICTQ