Novo Nordisk prevê Wegovy em comprimido e queda no preço da semaglutida injetável

Em maio, a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk submeteu à Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano com atuação semelhante à da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um pedido de liberação para a versão oral do Wegovy (com 2,5 miligramas de semaglutida).

Ao Estadão, Yan Cai, vice-presidente sênior de Medicina e Marketing da empresa, diz que a farmacêutica espera receber uma resposta — de preferência positiva — até o fim deste ano. Caso isso aconteça, será a primeira formulação oral da classe dos análogos do GLP-1 indicada para tratamento da obesidade.

Acesso mais amplo

Mais do que eliminar a necessidade de injeções subcutâneas recorrentes, alguns especialistas enxergam nas versões orais desses medicamentos a esperança de um acesso mais amplo.

Eles apontam que, por serem potencialmente mais baratas de produzir e mais fáceis de distribuir, as formulações em comprimido podem alcançar populações que hoje estão à margem desse tipo de terapia.

Neste momento, Yan diz que não pode falar em precificação da versão oral. Por ora, também não há uma data para a submissão do produto à Anvisa, mas ela afirma que o Brasil é uma prioridade da farmacêutica.

Redução nos preços

O que os brasileiros podem esperar é a diminuição no preços das canetas para tratamento do diabetes tipo 2 (Ozempic) e da obesidade (Wegovy), diante da queda da patente da semaglutida em 2026 — vale lembrar que já houve uma primeira redução dos valores em junho. “Seria irrealista imaginar que o preço se manteria o mesmo após a perda da exclusividade no País.”

Na entrevista, Yan fala ainda sobre as novas apostas da farmacêutica para se manter relevante e inovar o mercado do tratamento da obesidade. Confira a seguir os principais trechos.

A senhora tem alguma atualização sobre o processo de submissão da versão oral do Wegovy nos EUA? Há uma data para submissão no Brasil?

Esperamos obter uma resposta — tomara que positiva — até o fim deste ano.

Como empresa, estamos discutindo a estratégia de “ondas” de submissão, quando submeteremos em cada País. O que posso garantir é que o Brasil é um dos países mais importantes para a companhia, e será priorizado. Mas, até o momento, ainda não há uma decisão sobre quando exatamente faremos a submissão no Brasil.

Especialistas esperam que a versão oral dos análogos de GLP-1 possa significar mais acesso a essas drogas, especialmente em países de média e baixa renda, como o Brasil. A Novo Nordisk vê as formulações orais como um caminho para o acesso mais amplo?

Neste momento, não podemos divulgar nenhuma estimativa de preço para a formulação oral da semaglutida.

Entendemos plenamente as limitações de acesso. A boa notícia é que reduzimos o preço da semaglutida em diferentes apresentações desde junho, no Brasil.

A patente da semaglutida expira no Brasil em 2026. Seria irrealista imaginar que o preço se manteria o mesmo após a perda da exclusividade no País. Portanto, estamos avaliando diversas outras oportunidades, ao mesmo tempo em que seguimos trazendo inovação para o Brasil.

Os dados preliminares da amicretina (um agonista de GLP-1 e amilina) mostram que pacientes que utilizaram a molécula apresentaram uma perda de peso superior a 24% em 36 semanas. Ela pode se tornar o principal medicamento antiobesidade da empresa nos próximos anos?
Ela deve se tornar o principal produto da Novo Nordisk no futuro, por dois motivos principais.

Primeiro, porque vamos desenvolvê-la tanto na forma injetável subcutânea quanto na forma oral. A versão oral oferece uma via de administração mais conveniente, com mais facilidade para o paciente. Portanto, a amicretina estará disponível em ambas as formulações. (As versões oral e injetável não estão na mesma fase de estudo. Assim como ocorreu com a semaglutida, primeiro será lançada a versão injetável, enquanto se estuda a versão oral.)

Segundo, pelos resultados impressionantes em perda de peso. Os dados de fase 2 já foram publicados e são muito animadores. No próximo ano, vamos iniciar um dos maiores programas de ensaios clínicos já feitos pela empresa para essa molécula, dando início aos estudos de fase 3.

A perda de peso foi fenomenal, mas não só isso. Vimos também todos os benefícios adicionais já conhecidos da classe de medicamentos GLP-1 — por exemplo, os efeitos anti-inflamatórios e a redução da pressão arterial sistólica e diastólica.

Também houve muita expectativa em torno do CagriSema, no entanto, resultados recentes — como os do estudo REDEFINE-2 — ficaram abaixo do esperado. Em pacientes com diabetes tipo 2, a perda média de peso foi de 15,7%, o que decepcionou alguns investidores e profissionais de saúde. A

Durante o congresso da ADA (Associação Americana de Diabetes), realizamos um simpósio científico com foco nos resultados da fase 3 do estudo REDEFINE-1 (apenas com pacientes com sobrepeso e obesidade) com o CagriSema. Os dados apresentados no palco foram muito claros: trata-se do melhor medicamento antiobesidade da categoria, ponto final.

Agora, a forma como os investidores interpretam os resultados é diferente. Eles usam outras métricas de valor, e chegam às suas próprias estimativas.

Do ponto de vista científico, posso explicar por que não atingimos os 25% de perda de peso esperados. Em todos os ensaios clínicos de fase 3 com medicamentos antiobesidade, buscamos sempre alcançar a dose máxima possível. Nos estudos clínicos com a semaglutida, por exemplo, sempre foi obrigatório que todos os pacientes chegassem à dose máxima, que é 2,4 mg.

Nos ensaios clínicos de fase 3 com o CagriSema, com um olhar centrado no paciente, optamos por não obrigar todos os participantes a atingirem a dose mais alta — no caso do CagriSema, 2,4/2,4 mg. Adotamos um esquema de dosagem flexível, com o objetivo de respeitar as necessidades individuais e oferecer um tratamento mais personalizado.

E aí está uma diferença importante: se olharmos para o estudo REDEFINE-1, com o CagriSema, apenas 57% dos participantes terminaram o estudo na dose máxima de 2,4/2,4 mg.

Estamos muito orgulhosos do que fizemos, porque queremos realmente liderar uma mudança de paradigma no tratamento da obesidade: oferecer mais flexibilidade na dosagem e metas individualizadas de tratamento.

Se olharmos para os resultados gerais do estudo REDEFINE-1, 60% dos pacientes já não eram mais considerados pessoas com obesidade ao fim do estudo, mesmo com muitos desses pacientes não atingindo as doses mais altas.

Outro ponto importante: este foi um estudo global, com uma proporção significativamente maior de participantes asiáticos. E sabemos que, de modo geral, a população asiática tende a perder menos peso em comparação com populações caucasianas ou hispânicas, por exemplo. Também observamos uma participação masculina muito maior do que a habitual (mulheres tendem a responder melhor aos agonistas de GLP-1 e outras terapias antiobesidade).

Tiramos aprendizados importantes com essa experiência. Por um lado, estamos muito orgulhosos de ter tido a coragem de adotar um regime de dosagem flexível para atender melhor às necessidades dos pacientes. Mas, ao mesmo tempo, talvez no futuro devêssemos também mirar na perda de peso máxima já no desenho dos estudos, justamente para mostrar todo o potencial do medicamento nesse aspecto, sem abandonar a abordagem centrada no paciente.

Por que pacientes não atingiram a dose máxima no estudo?

Alguns pacientes já estavam satisfeitos com a perda de peso que alcançaram. Pensando nos participantes asiáticos, se eles atingiram um IMC abaixo de 25, por que continuar insistindo em aumentar a dose? Em outros casos, pode ter sido por conta dos efeitos colaterais gastrointestinais.

Qual é o limite de perda de peso? Estamos nos aproximando de um ‘teto fisiológico’?

Em comparação com outras doenças, a pesquisa em obesidade é um campo relativamente novo. Ainda estamos tentando entender qual seria a meta ideal no tratamento — qual é o “treat-to-target” — para pessoas que vivem com sobrepeso e obesidade. Quanto mais peso perdido, melhor? Não sabemos. Há muitas perguntas ainda sem resposta.

Somos líderes globais em obesidade, pesquisando há 25 anos sobre ela, e estamos cada vez mais convencidos de que o manejo vai além da perda de peso: o mais importante é melhorar os desfechos de saúde e a qualidade de vida.

Estamos colaborando com a comunidade científica para definir qual seria o objetivo ideal para pessoas que vivem com obesidade. Até agora, não se chegou a um consenso sobre o que isso significa. É proteção cardiovascular? Proteção renal? Proteção hepática? Quais são, afinal, os benefícios para a saúde do tratamento da obesidade? Estamos caminhando nessa direção, mas o consenso é de que o tratamento deve ir além da perda de peso.

A OMS afirma que vivemos uma epidemia de obesidade no mundo. As novas medicações trazem, de certa forma, esperança. Como a senhora acredita que estará o cenário daqui a cinco anos?

O meu sonho é que a semaglutida se torne o tratamento padrão para as doenças cardiometabólicas nos próximos cinco, sete ou dez anos.

Além disso, espero que a penetração dos medicamentos à base de GLP-1 aumente significativamente. E, com isso, espero que a curva da obesidade comece a se inverter.

Fonte: Estadão